sábado, 16 de fevereiro de 2008

POEMA ENCAIXOTADO



















quem lhe conta o peso da caixa?

ele sonha-lhe o ar primaveril
alguma seiva transbordante de hortelã desmaiada
faz disso um chá que lhe fortalece o olhar
continua a olhá-la num deslumbre crescente
percorre uma a uma suas finas arestas de cartão

depois os ouvidos vertem nos olhos um rumor
e agora pesa cada palavra na boca de quem diz
sem se aperceber das gomas sortidas que essa saliva
indiferentemente contradiz, mede-lhe os tiques
articula o boato rasando a caixa
sendo cada vez maior o desejo de lhe tocar

quer-lhe passar os dedos, cortá-los
na ânsia longitudinal de querer abri-la
e descobrir as muitas franjas de ar posto

sonha-lhe pesos indiscretos, índias empacotadas
senta-se no chão cruzando as pernas
lambe outra perspectiva
move frescas águas dentro dos olhos
como que à espera que ela o fite

ajoelha-se e quadrúpede ensombra-lhe a quadratura
pinga saliva na planície da caixa, mancha-a
e logo retrai com vergonha de lhe ter desferido desonra
acabrunha-se por um momento
até que a mola venosa encha de vermelho os olhos
que o catapultarão ao golpe de misericórdia

então ele pega na caixa, sacode-a violentamente
amarrota-lhe os lados, esbate-os com os punhos fechados
esquece-se de ouvi-la em profundo silêncio
inebriado pelo suor de renúncias e talismãs inquisitórios

pára, respira ofegante – abre a caixa e é engolido

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A SEGUIR À CHUVA (e assim regresso calçando os chinelos que o Cesariny fez para o Aranda)



a seguir à chuva sobeja irremediavelmente a beleza
a finura lamacenta dos gestos aliada às gotas laminadas

dedilhar as pedras ● de cócoras para o olhar dos outros

e porque intacta se afigura a imagem de ontem em mim
narro-a sobre a impressionante bondade deste retábulo:
três tomates maduros a competirem tamanho entre si
espetados no terceiro dente da forquilha, um e os outros
a sangrarem água por desprendimento ao ciclo vindouro

a beleza vertida pelas temíveis e ferozes mandíbulas:
pão e antídoto – quando cuidadosamente administrada
sugere inconstância violenta dos espinhos que a pele
aglutina, na medida em que o cérebro pastoral os semeia
sem nunca antever a força nodal das sombras que
autenticam o telúrico poder do retábulo em vivência

[mágico ceptro crescido inteiro na palma da mão]

os olhos lacrados ● autorização para rebolar na cama

esperar que termine a santa trovoada debaixo dos lençóis
retocar o retábulo antes de ele mesmo acontecer

a seguir à chuva recuperar os olhos bem secos
para que se mantenha fresco o óleo das imagens na retina
no dia depois dos dias, hoje depois do ontem e anteontem

enaltecer o retábulo ● caminhar limpo entre a tomatada