segunda-feira, 24 de novembro de 2008
FEBRE TIPÓIDE
alguém anda enganado neste mundo
tipo eu ou um outro talvez não sei
sinto-me mal tipo vou-me embora
apanhem-me as sandálias e por favor
mergulhem as bolachas no leite fresco
e dêem-nas ao gatinho a miar desalmadamente
perdido da mãe tipo na extremidade do carril
agora percebo o brilho da madeira no livro
viajar tipo correr as páginas até à exaustão
e miar feito gato à espera das bolachas
com medo dos cães tipo polícias do futuro
alguém enganado? todos tipo humanidade inteira
agora compreendo céline e a sua inquietação
azedume tipo ácido sulfúrico aspergido
venham julgar-me neste estado debilitado
estou doente tipo quarenta e dois graus de febre
tipo eu ou um outro talvez não sei
sinto-me mal tipo vou-me embora
apanhem-me as sandálias e por favor
mergulhem as bolachas no leite fresco
e dêem-nas ao gatinho a miar desalmadamente
perdido da mãe tipo na extremidade do carril
agora percebo o brilho da madeira no livro
viajar tipo correr as páginas até à exaustão
e miar feito gato à espera das bolachas
com medo dos cães tipo polícias do futuro
alguém enganado? todos tipo humanidade inteira
agora compreendo céline e a sua inquietação
azedume tipo ácido sulfúrico aspergido
venham julgar-me neste estado debilitado
estou doente tipo quarenta e dois graus de febre
terça-feira, 18 de novembro de 2008
UM PÉ NO PAPEL
[Painting, Francis Bacon, 1978]
sob a hora translúcida
no ar um dia
a flor revelará a animalidade do sonho
nos seus órgãos, na sua escabrosa essência
amedrontando o ser de espuma
a fugir da saliva
uma nuvem amarela nesta hora o ar intacto
ar que o pânico meridional enrijeceu
avesso aos brônquios duma manhã crepuscular
uma nuvem como longa-metragem ionizada
se um homem decide clarificar a sangria do sol
experimentando visões do grande incêndio
sabe à partida que deverá amar o escuro
e libertar-se nele incondicionalmente
«uma floresta resplandecente sobre o cinzeiro»
ao vê-la desdobra-se na ascensão rápida da ideia
músculo do sonho e corola da flor
também o fumo se criva pelo crepúsculo
um pé no papel ● a página pelos joelhos
designa «floresta» o que vê este homem
de vento os gestos e o porquê das mãos
experimenta o exílio gasoso da palavra
o pé soluça e verbaliza a vontade
o corpo cai e instrumentaliza o sonho
porque a palavra trará nova seiva
e essa seiva invadirá velhas raízes
porque essas raízes irrigarão outras vontades
que se acenderão no mesmo bolbo
ele veste o silêncio ● a flor abre-se no escuro
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