domingo, 28 de setembro de 2008

Itinerário Trágico-Lírico





ILHÉU BÍBLICO

a mãe traz no ventre
o capataz da paz.

a pomba d’ouro debica
o besouro do tesouro.

o senhor do vento assina isento
a morte em juramento.

o corvo de prata pousa uma pata
no ombro de quem mata.

o animal na arca terminal
preserva o mal natural.

a serpente se calça sapatos apaga
os factos e o mundo em três actos.

o crucifixo oxida submisso
aos beijos do pecador prolixo.



CAMPO IDÍLICO

ó esposa dos abismos
que irradias aforismos
associa os algarismos
que soltos derivam
macabros harmonizam
e nosso arfar escravizam
– aponta
essa conta
tonta
mulher
e se a colher
vier
cheia
semeia
a teia
de ranho
no banho
tamanho
que é o cio
servido frio
como balbucio.
vens temerária
bolha literária
mortuária
de assombro
tendo o ombro
como escombro
se alguém cede
quando pede
e com ossos mede
o raio diminuidor
sendo com dor
da morte amador.
entra à força o cirro
espirro
e embirro
de hora em hora
perdida a espora
– chora
floresta-virgem do sol
que drogas o caracol
com mentol.
então
sem razão
nem brasão
o ácido láctico
galáctico
de si já problemático
abomina
a vitamina
matutina
– inchaço
de cansaço:
crasso embaraço.
eu sou o rei do pó
o negro do dominó...
uma mó
trabalha
rude ralha
reduz o corpo a palha
– no terreiro
anda o carniceiro
fantasma corriqueiro
das sobras de espaço
e eu rei temo o aço
torno-me palhaço
afogo-me na poeira
sem eira nem beira
desço a estrumeira.
vivem pirilampos
nestes campos
comem grampos
são predadores
do metal roedores
dadores
de electrões
embora mui glutões
efeminados leões
mas felizes
estes petizes
e em deslizes
cagam lume
pleno ciúme
beijo do cume.
nesta choça
com lodo de troça
há a carroça
que os insectos
predilectos
puxam rectos
elipticamente voando
os narizes fungando
eis o bando
dos endrominados
que querem calados
os cardos malfadados
protegidos pela manha
da mamã montanha.
porque se estranha
a microchuva
na planície da uva?
o pulgão com sua luva...
roda-a com a mão da sina
– hélice na neblina
da fruta purpurina.
fala-me verdade
bruxa da herdade
mesmo sem alarde
tenho o passado
enforcado
na garganta entoado
fala-me da bala
que embala
a vazia mala
das suas máscaras
para mim tão caras
esbranquiçadas taras.
flutuam os colibris
coloridos e febris
sonâmbulos hostis
no pântano de rotativo
rosto distorcido
no reflexo assistido
sinistro por investida
a marulhar a ida
espicaçando a partida
negando o regresso.
mapa falso no ingresso
esqueleto possesso
nas traseiras
das tripas poedeiras
e as larvas traiçoeiras
somam açúcar branco
num recatado flanco
do hospedeiro franco.
amniótica brisa suave
com o alento da ave
– seu canto grave
sobre o vital fedor
ornamenta o andor
que os anjos do torpor
sustêm de madrugada
nesta enseada
agreste e desamparada.
inclinando o cálice real
verte-se o sol capital
e dança o mortal
exibindo a carne rósea
de ardósia em ardósia.
e a memória? coze-a
a fraqueza perdura
dentes na corda dura
mastigam a armadura
que ano a ano
se fortificou sem dano.
objectos de propano
declaram comedidos
a silhueta dos perdidos
papéis talvez comidos
com ávida aspereza
a delinear a tristeza
que a criatura enfeza.
engulo o somatório...
este corpo migratório
já entrou no sanatório
rãs cruzadas no chão
buscam até à exaustão
o braço do pulmão.
tanta candura...
carnaval de fervura
não é bravura
mas crepitante medo
que quebra ledo
o imponente dedo.
um campo de rugas
onde crescem verrugas
em vez de leitugas
e dormem esses pães
– os seios das mães –
junto aos cães
com tanta luz
que a virtude conduz
a queimar-lhes a cruz
do olhar mineral
criando ao calar a cal
o fontanário de sal.
apresento-vos sério
o perfumado cemitério
das flores do adultério
bem-vindos sejais
peregrinos que beijais
as campas florais
olhai o horizonte, são
as vacas de betão
a mugirem pela razão
dum outro morder
preso à terra do ser.
o império é para se ver
e não para alimentar
o fantasma salutar
que se vai humectar
na noite enferma.
leitosa alma... comer-ma?
a espiral de esperma
dilacera filamentos
dóceis excrementos
nutre tétricos rebentos
e reduz uma a uma
as cidades em espuma.
é esta a lição da pluma
ó esposa dos vulcões:
«perdões por tostões
não salvam corações».



OÁSIS VINÍLICO

azeda aurora febril
os dedos desta senil
vontade estão feridos
até se abrem ardidos
nesta estepe poluída
cada vez mais dolorida.

carne em flor
esgoto de dor!

não encontro cactos
pelo menos exactos
deveras adjectivados
como esses bastardos
que abalam o árctico.
brinquedos de plástico
enterrados na areia
que tudo incendeia
adquirem novo sentido
confirmado o gemido.

fronteira curta
a ciência furta!


quartzos de sofrimento
a substituir o cimento
enluarado tórax-teclado
ainda não desmascarado
neste amplíssimo deserto.
suado coração em aperto
que quer fécula de batata
nem que seja da barata
misturada com o oxigénio
cão seguro pelo hidrogénio
quando água que não há
agora nesta estância má.

corpo com fome
o tempo come!


vem serpente das plumas d´ouro
baptiza-me com o teu vil agouro
enrola-te em mim dá-me a beber
o teu veneno para que possa ver
esse mundo dos mortos delirantes
com os olhos ainda tão brilhantes.

falta um passo
nervos de aço!


ora atarefadas mãos pintam
em cada pormenor hesitam
ao reanimar o oásis artificial
consultando o idoso jogral
que bebeu das nove fontes
resguardadas pelos montes
tuteladas por nove duendes.
vida apenas quando acendes
as tintas arqueadas com tento
melodia vinda do sacro vento
– dança dos ditongos: alma d’ar
a grotesca úlcera não vai sarar.

só um sopro fecundo
ressuscita novo mundo!


jogo da cabra-cega com os lacraus
com leve aroma do catarro das naus.
ligado o prato giratório das ilhas
tangam os camelos nas duras milhas
e há a espera dos cães pelo negro pão
de ossos caramelizados pelo escaldão.

minga a pança
sobra a dança!


gota a gota na cabeça mede-se além
a fúria árabe seca na face de ninguém
com choro comedido pela biologia
que se estica à míngua sem hemorragia.
reconstituir a dita lenda a espernear
desenhando a carvão os sinais do mar
teatro que ameno soletra a avessa morte
que se vislumbra um pouco mais a norte.

o pobre doido faz e desfaz
por favor tragam as pás!


Porfírio Al Brandão
Agosto de 2005
[Deste opúsculo foram feitos 150 exemplares numerados e assinados pelo autor]

1 comentário:

Gabriela Rocha Martins disse...

absoluta
mente

DIVINO


.
o tempo amadureceu



.
um beijo