sábado, 31 de janeiro de 2009

PSICOCLAUSTROFONIA (II)

[George Grosz, 1917-1918]

ponto a ponto o espaço é desvendado pelo clarão
aquilo que é iluminado e curvo
porque a luz resguarda órbitas fenomenais
e os corpos alcançam significados pelo toque da iluminação
unos e tremendamente sós – no santuário
as velas choram um leite puro
quente, inocentemente amamentam
os seres que se movimentam na escuridão

ângulo verde:
o baile funesto de saprófitas, crescente miséria dos povos
ejaculação política num colorido envenenado

terreno inóspito, sem dúvida, e anda o indivíduo
a treinar as mãos na saca de grãos vinda do desespero
pobre coitado – ainda se aleija no veneno

o pão que a sociedade reveste de cívico no falar humano
cheio de pústulas e de magnetismo perturbador
simboliza a sucessão ininterrupta de blocos
imprevisíveis no âmago
mas capazes de gerarem um buraco negro
e criarem a falsa ilusão de consumarem nobre ofício:
o de esculpirem identidades

procura e oferta, hierarquias no esvair da matéria
e um amor de cinza acabado
nuns lábios por arder

somente um incorruptível prodígio na visão da criança
num êxtase raro
e talvez irrepetível na sua vida:

uma família numerosa reunida à mesa
empenhada a comer frutos secos no epílogo da consoada:
nozes, amêndoas, avelãs
mandíbulas, maxilares, dentes
ranger de cascas
o ruir dos tecidos
vultos compenetrados
a música orgânica
ritual de dentro
– o silêncio do arvoredo linguístico

sábado, 24 de janeiro de 2009

PSICOCLAUSTROFONIA (I)

[Francis Bacon, 1978]


espreitar o universo e vê-lo obscuro
intensamente desfocado: os habitantes dos planetas

defecam atmosferas de gás, gritam pequenez
cada um vê-se como um asteróide negro desabitado
– o processo de desertificação é interior
e fruto do olho humano

ângulo vermelho:
entra a rainha do submundo
uma labareda de cabelos ruivos
um vestido de pólipos folhosos e fumegantes
[rubro contra púrpura]
momentos antes da prédica no púlpito do sacrário venal

intensifica-se o desfile, o crepitar da coroa
– a assembleia inicia a descompressão da pepita
alguma poeira cósmica, dialectos absurdos

ângulo intersectado – a linha fúnebre, bastarda
a luz azul, um rosto frio

visão de cima: um palácio de tijolo sanguíneo
velado por mutantes da palavra obscura
suplício dos guerreiros infelizes

no interior
em câmara resguardada de festejos mundanos
e diálogos triviais
a laranja velha repousa no luxuoso caixão do mundo
seus horrendos poros tossem vermes gordos
embriões da desgraça, outrora vísceras em papa
lembrança da perpendicularidade
a todos os olhos nua
fria
e inalterável

comecemos então
o novíssimo estratagema da criação: células
prestes a asfixiarem
num quarto de vidro gravemente embaciado
– vapor de melaço
saído das entranhas do cientista

escapando à anatomia do vergonhoso cérebro
rasga-se
com a maior unha do corpo
o útero do pensamento mais escondido
dito recalcado – espera-se muco
e algum sangue podre

esporadicamente a ciência visita o campo da adivinhação
– quando o cientista, um pouco bruxo, aguça a lente
para destrinçar emaranhados colossais da massa a analisar
entra num fino véu
mesclado de nácar e fel
consumando-se o milagre das sete abóbadas

contentem-se os artesãos da ciência
com aspectos elementares da laranja morta
velha rainha
pois nunca desvendarão trilhos que
alguma vez
os cavalos do ácido traçaram

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009


sábado, 10 de janeiro de 2009

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009