[Paul Klee, 1930]
a biologia conserva o segredo insondável
[nuvens densamente armadilhadas]
o líquido espesso que ressalva o erro, a vida
no planeta que a amnésia sustenta
mãos atadas, adesivo na boca, narinas irritadas
e ainda a surdez indissolúvel, a cegueira impermeável
– a memória dum povo em contínuo reset
ângulo branco
: meninos a brincar
chutam a orelha há pouco atirada aos cães
pelas suas zelosas mães
triste infinitamente triste
o poderio podre dos senhores da guerra
a mama seca
verdade sobre o azul, asfixia do ouro
em plástico doentio
os seios da sereníssima mãe pingam na bainha do tempo
– lágrimas umbilicais
a carta mais triste do mundo, última canção
: louca sirene
diz-me quem enxugará as lágrimas
ao soluçante farol das pequenas praias
esse menino uivante no raiar da escadaria
diz-me senhora mãe
tantos filhos como gemidos
e como magoa este torpor
madre soror
venha o espaço num balbucio dissolver o que de nós sobejou
dor e mais dor a fervilhar em bica
ó madre dolor que me escutas
de nós sobejou o enigma, o umbigo a roçar
a noção de lugar – esta gólgota ardente
esta gólgota morrente
a biologia conserva o segredo insondável
[nuvens densamente armadilhadas]
o líquido espesso que ressalva o erro, a vida
no planeta que a amnésia sustenta
mãos atadas, adesivo na boca, narinas irritadas
e ainda a surdez indissolúvel, a cegueira impermeável
– a memória dum povo em contínuo reset
ângulo branco
: meninos a brincar
chutam a orelha há pouco atirada aos cães
pelas suas zelosas mães
triste infinitamente triste
o poderio podre dos senhores da guerra
a mama seca
verdade sobre o azul, asfixia do ouro
em plástico doentio
«ah, a baioneta»
fica sempre bem com a farda
«guerra é coragem, honra e bravura»
suor e ranho para limpar no lado b da bandeira nacional
fica sempre bem com a farda
«guerra é coragem, honra e bravura»
suor e ranho para limpar no lado b da bandeira nacional
«ah, o soldado desconhecido
ainda a apanhar frio nalguma rotunda»
carne para canhão
«mas um canhão come carne?»
sim, e da boa
ouvi dizer na corola machucada dum sonho
em que vi bailar no campo de batalha
a baioneta vestida de noiva; dançava com os órfãos
e com as viúvas
ainda a apanhar frio nalguma rotunda»
carne para canhão
«mas um canhão come carne?»
sim, e da boa
ouvi dizer na corola machucada dum sonho
em que vi bailar no campo de batalha
a baioneta vestida de noiva; dançava com os órfãos
e com as viúvas
dentro de momentos virá a boa sirene inquietar os corações
os seios da sereníssima mãe pingam na bainha do tempo
– lágrimas umbilicais
a carta mais triste do mundo, última canção
: louca sirene
diz-me quem enxugará as lágrimas
ao soluçante farol das pequenas praias
esse menino uivante no raiar da escadaria
diz-me senhora mãe
tantos filhos como gemidos
e como magoa este torpor
madre soror
venha o espaço num balbucio dissolver o que de nós sobejou
dor e mais dor a fervilhar em bica
ó madre dolor que me escutas
de nós sobejou o enigma, o umbigo a roçar
a noção de lugar – esta gólgota ardente
esta gólgota morrente